Autor:
Ademilson Marques de Oliveira
professorfilosofoademilson@gmail.com
Afeto versus psicanálise e filosofia, segundo Tomás de Aquino
RESUMO
Neste
trabalho, são apresentadas algumas reflexões sobre o conceito de afeto, a
partir do pensamento de São Tomás de Aquino, e do ponto de vista da
psicanálise. Dessa forma, propôs uma investigação com base nos materiais de
estudo da disciplina de Amor e Paixão em Filosofia e Psicanálise, além de
consultas em site que abordam a temática, a fim de responder a seguinte
problemática: Qual a relação do afeto com a qualidade de vida das pessoas, na
prevenção de doenças emocionais? A partir dessa indagação faremos uma abordagem
de outros temas vinculados ao afeto, tais como: amor, paixão, ternura,
acolhimento etc. Concluímos com este estudo que, quem cultiva o sentimento do
afeto, se relaciona melhor consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com o
mundo.
Palavras
chave: Afeto; Paixão; Amor; Filosofia; Psicanálise.
Reflexões/Discussões
O
ser humano é um ser de diversas complexidades, e a efetividade é um tema que
ultrapassa a constituição de todas as funções psíquicas superiores. É através
do afeto que o homem vivência sua humanidade. Talvez, por isso, vários
estudiosos, em diversas áreas do conhecimento buscaram sistematizar o conceito
de afeto. Portanto, será o que São Tomás de Aquino fala sobre esta temática? E
qual a visão da Psicanálise sobre o assunto?
Mas,
afinal, quem foi Aquino? Segundo a historiografia, na Idade Média, por volta de
aproximadamente 1244, Tomás de Aquino entrou para Ordem Dominicana. Estudou
teologia em Paris, e se consolidou como um dos mais famosos filósofos de seu
tempo. Assim, é visível que seus estudos contribuíram significativamente em
várias áreas do conhecimento. Elas são tão valiosas, que na atualidade os seus
escritos são reestudados.
Para
o professor, Jorge Augusto Silva Santos (2017), o significado de paixão no
pensamento de S. Tomás de Aquino é:
Tomás
de Aquino distingue três gêneros de potências vitais, que correspondem à
tríplice forma de vida que aparece no homem, segundo a concepção clássica
proveniente de Aristóteles, a saber: 1ª) As potências da vida vegetativa (que
dizem respeito às faculdades da nutrição, do crescimento e da geração); 2ª) As
potências da vida sensitiva (que abarcam as faculdades
cognoscitivo-sensitivas); 3ª) As potências da vida intelectiva (que pertencem
ao intelecto abstrativo, ao intelecto cognoscente e à potência intelectivo-afetiva
chamada “vontade”). Ainda garante que, “Tomás de Aquino distingue cinco gêneros
supremos de potências vitais: potências vegetativas, sensitivas, intelectivas,
apetitivas e motoras”. “Três são as potências de ordem vegetativa: a nutrição,
o crescimento e a geração. (p. 9).
Neste
sentido lembramos que na filosofia, o afeto é entendido como emoções positivas.
De certa forma, elas estão ligadas as paixões. Por outro lado, as emoções ligam-se
as pessoas, já os afetos, talvez, são as emoções que estão conectadas nas
relações interpessoais. Neste contexto, deparamos com vários adjetivos que nos
remetem ao afeto, tais como: apego, gratidão, devoção, perdão, ternura,
bondade, proteção, cobiça etc.
O
pai da psicanálise, Freud, sobre o afeto, diz que:
A
pulsão tem sua origem no corpo e sua ligação com a esfera psíquica é feita
pelos representantes pulsionais: o afeto e a representação. O afeto é, assim,
um representante pulsional, que, ao lado da representação, intermedia o acesso
da pulsão à esfera psíquica, já que a primeira tem sua fonte no corpo. Para
Freud, o afeto é uma energia, enquanto que a representação é uma ideia.
Neste
contexto, em uma linguagem voltada para a psicanálise, e, também, de cunho
filosófico, Santo Tomás de Aquino, apresenta o termo concupiscência, que é de
grande valia para o entendimento das questões pertinentes ao afeto. Santos (2017), cita Aquino, que fala:
O termo
concupiscência é uma expressão que vem do verbo latino concupiscere (= desejar
ardentemente), e este provém de cúpere (= apetecer). De cúpere parecem provir
os vocábulos cupido (amor ou desejo) e cupíditas (cobiça). Para ele, nos
escritos do Aquinate, concupiscentia tem três acepções principais: a) appetitus
ou desejo em sentido amplo; b) desejo de ordem sensível; c) desejo desordenado
ou pecaminoso (sobretudo tratando-se dos deleites do tato). O desejo
estritamente considerado é uma paixão concupiscível especial. Prova-se esta
assertiva mostrando que dito desejo se distingue especificamente das demais
paixões concupiscíveis (que versam sobre o bem ou sobre o mal simplesmente
considerados). 1) Distingue-se do ódio, da aversão e da dor porque essas três
paixões versam essencialmente sobre o mal, e o desejo se refere necessariamente
ao bem (ou ao que é considerado como bom). 2) Distingue-se também do amor e do
gozo porque o primeiro versa sobre o bem tanto presente como ausente, e o
segundo só se refere ao bem presente. Chegamos assim à definição essencial da
paixão do desejo: é o ato do apetite concupiscível que tende ao bem ausente, de
tal modo que o desejo é um uma paixão do apetite concupiscível que tende para o
bem ausente. O desejo é uma paixão essencialmente diversa da esperança, que
pode ser descrita como um desejo reforçado ou lucrativo (pois se refere ao bem “árduo”
ausente, e pertence ao apetite irascível) (p. 18-19).
A
partir desse pensamento, é possível fazer uma reflexão sobre afetividade sensível e as paixões
da alma. As paixões abalam tanto a alma que um pensamento livre como a vontade
tem menos condição de se manifestar diante da presença imperiosa de uma paixão.
Essa forma de pensamento que é a paixão testemunha a união íntima entre corpo e
alma.
Enquanto
paixão, o amor não é apenas a antecipação consciente do bem ao qual se deseja
estar unido, ao passo que, esta antecipação torna-se inseparável de sua
ressonância orgânica. Esta pode indicar a presença do amor onde, inicialmente
ele não se faz perceber, pois o corpo pode ser o índice da paixão que afeta a
alma.
Segundo
Cláudia Murta, o amor é uma das condições da filosofia. A grande maioria dos
filósofos aborda em suas elaborações o tema amor. O amor no fundo é desejo,
pois ele se relaciona com o vazio central, no qual pode se localizar a causa do
desejo.
Santos
(2017) relaciona a afetividade ao apetite.
Mas, o que é o apetite?
No
sentido mais geral, o termo latino appetitus (= apetite) significa o movimento
interior que conduz a satisfazer uma necessidade orgânica, um instinto. Na
linguagem corrente trata-se, antes de tudo, da necessidade de alimentação. Em
Tomás de Aquino, a noção de “apetite” é tão vasta e geral quanto à de
inclinação ou de tendência. É a inclinação, a tendência do sujeito para o que
lhe convém; portanto, para o seu bem. (p. 10).
Entretanto, para relacionar o afeto
com os temas desejo e paixão deve-se incluir nessa reflexão, a noção de corpo.
Na visão de Cláudia Murta, em videoconferência sobre o tema, ela afirma que
toda demanda acerca da afetividade são demandas de amor. Como podemos fazer
relações entre o desejo e afetos?
O desejo inclui, pois, um movimento afetivo
especial em direção ao objeto amado ainda não possuído. Nesse sentido podemos
dizer que a atividade afetiva se inicia no desejo, e termina no amor consumado.
E no mesmo sentido costuma dizer-se que o desejo é como um amor
imperfeito na mesma proporção da relação que tem o gozo para o amor
perfeito. (SANTOS, 2017, p. 23).
A falta de algo com condição do desejo marca um encontro
entre a filosofia e a psicanálise, ou melhor, a filosofia de Platão e Descartes
e a Psicanálise de Freud e de Lacan.
Neste caso, o desejo como falta representa a coisa
ausente que ele visa. Assim, a ausência o faz do desejo a estrutura de um signo
e, assim, o desejo apresenta a falta. “O desejo se refere ao bem ausente
simplesmente considerado e, por isso, pertence ao apetite concupiscível. A
esperança versa sobre o bem ausente enquanto árduo ou de difícil obtenção, e
daí que pertença ao apetite irascível” (SANTOS, 2017, p. 23).
No entanto, ao discorrer sobre o afeto, vale ressaltar o
texto de Descartes que trata as questões da alma, pois ele possibilita a
inclusão da noção do corpo no tema do amor. O amor é o elemento mais sublime
que nos permitem criar laços de afetos, de ternura, de acolhimento, de alegria.
Enfim, o afeto passa pelo acolhimento, e acolher é fazer o outro feliz, ou
seja, é a mais bela experiência de amar. Portanto, para que a vida tenha mais
leveza e mais encanto, seria relevante observar as palavras de Aquino: “Tratando-se
das ações e das paixões humanas, tem muito valor a experiência, e movem mais os
exemplos que as doutrinas” (Suma de Teologia ia -iiae,34,1). Neste contexto,
nota-se a supremacia da prática, da experiência, em detrimento da teoria, ou
seja, das doutrinas. Assim, ao falar sobre o conhecimento afetivo em Tomás de
Aquino, Arthur Heller Britto, cita que:
O amor em si mesmo consiste nessa união ou vínculo.
Por isso, Agostinho diz que o amor é quase “um laço que une ou tende a unir
duas coisas, o amante e o amado”, referindo-se o une à união do afeto, sem a
qual não há amor; e tende a unir, à união real.
Considerações Finais
Em
resumo, diante das reflexões/Discussões, percebe-se a importância da filosofia
e da psicanálise, como mecanismo de orientação voltado para o exercício do
cultivo do afeto, como um meio de busca de equilíbrio emocional, visando criar
obstáculos para o desenvolvimento de sintomas ligados as doenças emocionais.
Por
outro lado, a partir das reflexões, percebemos a importância do afeto do
desenvolvimento do ser humano, portanto, notamos sua importância em relação à
cognição. Assim, infere-se que, as pessoas que se sentem amadas, onde há
promoção de afetividade, elas tendem a se desenvolverem autoconceitos positivos.
Aqui entendemos a afetividade, enquanto interatividade, que é um dos aspectos
responsáveis pelo processo de aprendizagem e possui cunho afetivo-cognitivo.
Portanto,
para a filosofia na visão de Aquino, como do ponto de vista da psicanálise,
quem cultiva o sentimento do afeto, se relaciona melhor consigo mesmo, com o
outro, com a natureza e com o mundo. Dessa forma, vive melhor, e é mais feliz!
Referências Bibliográficas
FREUD,
Sigmund. Edição Standart Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
24v.
LACAN,
Jacques. Outros Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
MURTA, Cláudia; SANTOS, Jorge Augusto Silva;
MURTA, Alberto. Amor & Paixão em Filosofia e Psicanálise. UFES. Vitória, 2017.
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